terça-feira, 22 de julho de 2008

prenegativo.

Silêncio.
Após horas alguém levantou e falou:
- Não dá mais! Vamos!
Os demais olharam-se em busca de - quem sabe - uma resposta divina que lhes desse coragem para seguir em frente.
- Não podemos ficar parados!
- Não podemos perder tempo.
- Não. O tempo é escasso.
- mas...Não sabemos aonde ir!
- Não, o jeito é seguir a trilha.
Silêncio. Caminharam horas, até alguém falar:
- Quem sabe se virássemos...
- Não quero.
- E se fôssemos...
- Não!
- Se... Ah, não. Esquece... O que vocês querem?
Silêncio.

O jeito era seguir a trilha mesmo. Quem fez deveria saber aonde estava indo, ou ao menos onde queria estar.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

suicídio duplamente qualificado.

Elas olharam-se, viram-se uma na outra, gostaram do que viram, e decidiram que seriam amigas.
Ela nutria uma paixão eufórica por ela, tão eufórica quanto ela mesma. Saíam juntas, estudavam juntas, dormiam juntas... Tinham os mesmos gostos, o mesmo estilo, o mesmo pensamento nas mesmas horas. Passaram a confundir-se em suas vidas como se não soubessem onde começa e termina a outra. Achavam isso bom, era uma prova de tamanha amizade.
Até que ela começou a sentir a presença de um corpo estranho, mas que quando olhava, via a si própria. Isso atormentava sua mente e ela passou a sentir um ódio profundo daquela que ela via todos os dias presente na sua vida, dona da sua vida. Era invasivo o seu corpo. Tudo o que a mesma fazia, parecia uma cópia defeituosa sua, que ninguém era capaz de perceber as nítidas diferenças.
Tudo irritava naquela relação viciosa da qual ela não conseguia escapar. E se os efeitos das qualidades comuns a ambas, foram tão explosivos, os efeitos dos defeitos seriam catastróficos. Qualquer coisinha que antes não passava de uma pequena mania, um aspecto qualquer que poderiam apontar como uma "rasura" no seu "eu definitivo", se transformava num imenso borrão à tinta, cada vez mais intenso. E ela já não sabia quem era, se o definitivo perfeito, ou se o imenso borrão. E isso tirava-lhes o sono, o sonho, o som. Restou o ruído, o pesadelo e a olheira. E a preocupação da outra diante da situação, aumentava ainda mais sua irritação. Ela virou um monstro, cuja a presa era ela mesma.
O desespero só aumentava, e numa noite de insônia em que dormiriam juntas, ela cometeu a asneira de cair no sono.
Era a única saída, ela tinha de quebrar o espelho.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

o jogo.

No quarto, só nós dois. "Cartas à mesa!", disse ela.
Mal sabia ela, mas, honestamente eu só tinha Espadas e Ouros.
Percebi o susto que ela tomou diante de tal cartada, seu diafragma parou - por um segundo, eu fui o único cosumidor (da falta) de ar daquele quarto. Ela disfarçou, mas os pulmões sentiram, e ela bruscamente devorou minha respiração por completo, deixando-me sem ar.
Ela jogou suas cartas, Paus e Copas, enquanto soltava o "ar reciclado". Olhamo-nos e trocamos ares. Eu expirei, aliviado, e ela inspirou, profundo. E não soltou o ar.
Meu Deus! O que foi que eu fiz?
Espalhei minhas cartas pelo chão, guardei as Espadas no bolso e servi-me de Ouros. Joguei com as cartas dela, sem jamais trocá-las com as minhas, armei todas as jogadas possíveis, mas sempre com elas, que possuíam um vermelho-ouro que nunca chegaria aos pés do seu vermelho-copas. Talvez sejam baralhos diferentes. E ela simplesmente observava, distante.
O que é que eu faço agora? Meu Deus, ela pensava em Copas durante todo esse tempo e por mais que parecesse Ouro, era Paus que ela jogava... Tudo o que eu queria era esquecer que vimos nosso jogos.
Desisti. E decidi apenas sentar e esperar a sentença. Minha cabeça quase explodindo. Vez ou outra ela deixava escapar uma expressão sofrida, mas se ela realmente tem convicção no jogo dela, terá de suportar o meu. Eu já estava tonto quando ela aparentemente tomou uma decisão. Esforcei-me para me aproximar, mas ela não conseguiu pronunciar qualquer palavra e virou-se. Não pode ser tão difícil... Meu corpo já formigando, sem forças.
Aguentamos uma eternidade, ambos sem ar. Senti que morreria ali mesmo, arrastei-me até a porta e quando consegui alcançar a maçaneta, ela caiu nos meus braços e me beijou. Um beijo aflito, mas salvador. Meu corpo enrijeceu-se novamente e ela mostrou-me uma carta, escondida por ela, uma Dama de Ouro. No seu jogo havia uma Dama de Ouro. Todo o seu sofrimento não é por mim, é pela Dama de Ouro!?
Mal sabia eu, não estávamos sós naquele quarto.
E o Rei de Espada escorregou do meu bolso e caiu sobre seu Rei de Copas.

terça-feira, 1 de julho de 2008

juventude - uma dissertação.

Em toda geração há sempre um questionamento: "Como será a próxima? Será que conseguirão superar tudo o que não pudemos? Ou será que nunca existirá uma geração como a nossa?" Elis Regina já dizia: "Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais". Mas será? Em plenos anos 2000, perguntamo-nos: quem somos nós?
O jovem "pós-revoluções" assistiu a todos os fracassos sociais, a todas as desilusões ideológicas de antigos jovens - que pensavam no coletivo - e nada mais o toca. Porque é muito fácil ter uma ideologia quando é só seguir os outros, quando somos obrigados a lutar por uma liberdade de alguma forma privada. Mas e quando se tem "toda" a liberdade, toda a informação, e quando se tem tantas opções?
Vivemos numa globalização desenfreada, em que não há tempo. Tudo foi para ontem e o presente é quase inexistente. Só temos tempo de olhar para o umbigo e sobreviver no "capitalismo selvagem" no qual estamos inseridos, e o tempo que resta é utilizado para esquecer que é só isso o que fazemos. Gozando o máximo possível para sentir que de alguma forma a vida é boa, ou então, nada vale a pena.
Estamos perdidos, atônitos, neutros. Nada nos motiva e deixamo-nos levar pela correnteza. Corremos e não sabemos para onde. Jogamo-nos no escuro, no exagero, com overdose de tanta informação inútil, de tanta droga, de tanta guerra. Somos um corpo inerte, nem toda dor nos dói, nem todo amor nos toca. Somos seres adaptáveis.