quarta-feira, 1 de junho de 2011

sobrevivente.

Ela não anda, paira. Paira porque não pode andar, porque não consegue andar. É impelida para cima sempre que tenta tocar o chão e pairar é tudo o que lhe é possível. Às vezes ela queria voar de vez, para sempre, mas permanece presa a um sobremundo, pairando a 200 por hora, sem freio, desesperada. Tenta ouvir tudo, ver tudo, mas se perde e grita e chora e ninguém ouve, porque ela passa muito rápido, porque ela passa muito longe, porque eles olham para baixo, porque ela não toca ninguém. Então aparece alguém, que olha para cima e pensa nossa que excêntrico! e lhe estende a mão, ela lhe agarra o braço, lhe puxa os cabelos, lhe abraça com a força de um javali e pede para que ele nunca solte, que lhe dê café, almoço de domingo, pratos pra lavar, que lhe dê a vida enfim e ele lhe apresenta o mundo (na embalagem). Agora sim, é hora de conhecer a terra e finalmente fincar-lhe os pés, mas ela vive a 200 por hora e nada sabe desse mundo e todos os outros sabem e todos os outros estão ali e todos os outros bastam. E ela é arrastada com uma força tão grande, tão maior do que a que lhe regia o estado inercial, que ela jura nunca mais tentar pôr os pés no chão. Mas ela queria mesmo era afundar os pés na terra, sentir seu cheiro, seu gosto, a vida que sai de dentro dela e deitar na terra e descansar e ser acolhida e penetrada e enterrada por ela e pertencer de uma forma que nenhuma força seria capaz de arrancá-la, por nem supor distinção. Ela seria um todo e seria parte, como todo mundo é parte de alguma coisa. Mas ela paira e não sabe pra onde, não sabe pra quê, e continua gritando e chorando e desistindo. e ninguém ouve. ela não sabe manejar os frutos da terra. nunca conseguiu tocá-los a fundo, ali onde a ferida não sara, onde tudo permanece, como ela nunca foi capaz. Tudo o que ela queria era ser parte do ciclo da vida, comê-los e finalmente ser comida pela terra que nem tudo engole.