terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

quarto crescente.

Ela olhou no espelho e não se viu. Há quanto tempo ela não se via não se sabe ao certo, mas naquele instante ela viu. Viu que não se via. A imagem do espelho refletia nas pessoas a sua volta, mas não era ela. Ela via-se em seus amigos, mas não no espelho.
Teve saudades de si mesma. Há quanto tempo ela usava a mesma roupa? Roupa horrorosa! Percebeu a quantidade absurda de roupas que usava. Sentiu-se sufocada. Sempre esteve sufocada, mas ela via-se nos seus amigos, isso reconfortava-a, fazia esquecer. Tanto esqueceu que não se lembrava há quanto usava tanta roupa.
Desesperou-se. Precisava tirar aquelas roupas. E eram tantas as roupas! E por mais que aquilo lhe sufocasse, era como se ela lutasse contra si mesma para levantar os braços, puxar as mangas das camisas... O corpo desacostumara ao simples ato de trocar de roupa. Cada camada tirada era mais cansativa, dolorida.
Já possuia vários hematomas da luta contra si mesma, mas sentia-se feliz por ter um espelho e queria refletir-se nele e reconhecer-se na futura imagem. Puxou uma última manga e sentiu uma textura macia. Era a sua pele. Olhou para o rosto e notou a diferença. Sua pele estava desbotada de tanto tempo que permanecera coberta. Com muito esforço, conseguiu puxar a camisa, passar pela cabeça... Foi então que viu os pêlos, as cicatrizes, celulites, varizes... Seu primeiro impulso foi puxar a camisa de volta, mas novamente ela lutou contra si mesma. E por fim, suando, exausta, com as pernas trêmulas, ela viu-se nua.
E desde então ela permenece lá, ainda desviando o olhar, procurando os amigos, que não mais a refletem. Agora ela prefere o espelho. Ainda vai demorar um pouco para conseguir encará-la, olho a olho, mas ela nunca esteve tão aliviada.
Onde achou o espelho, ela não soube responder, mas nunca mais foi a mesma depois que não se viu.