domingo, 14 de dezembro de 2008

uma boa música.

êa, vestiba! entrei só pra pegar o gabarito de hoje e resolvi postar uma coisa que não é minha, mas também sou eu, agora. ;D

Não olhe pra trás lá trás ficaram as peles
pele de virar as costas pra sempre
pele de ouvir a língua pele de não entender nada
pele de deixar a morada
pele de partir pra outra pele de aeroporto
pele de dormir no sofá da sala
pele de rir sozinho no eco da sua casa
pele de portas fechadas

Não olhe pra trás o tempo ruge
tempo de trocar a pele tempo de fazer cooper
tempo de amar tempo de andar em círculos
tempo de fechar o livro tempo de fechar o ciclo
tempo de voltar ao início
tempo de lavar a louça tempo de apagar
e chorar de frio na madrugada

Não olhe pra trás lá trás ficaram as peles
pele de virar as costas pra sempre
pele de ouvir a língua pele de não entender nada
pele de deixar a morada
pele de ouvir uns discos pele de aeroporto
pele de dormir no sofá da sala


As Peles, Fellini - Cadão Volpato.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

indignação pessoal.

Estamos caindo fora. Fora de nós mesmos, da realidade.
Estamos num mundo inventado por nós e que não temos mais o comando da nossa própria invenção. O racionalismo é tamanho que se tornou irracional. Estamos dando vida às coisas e tirando dos seres.
Toda significação da nossa sociedade é inventada. O papel que faz a nota de R$100 é o mesmo que faz a nota de R$1, a difrença é o valor atribuído a ele. Você precisa comer, precisa vestir... mas ninguém come uma cédula de R$10, nem sai por aí com status por que está vestindo uma notona de R$100. Economia é valor, portanto a economia é inventada, e se é inventada porquê não podemos fazer com que ela seja boa para todos? Fomos nós que inventamos! Quem lucra com a desgraça alheia quer nos fazer acreditar que há uma complexidade muito grande em resolver os problemas econômicos do mundo. Mas não há! É tudo muito simples. (Os problemas socio-políticos, eu aceito e concordo que o buraco é mais em baixo, mas econômicos?). Então inventam uma infinidade de juros, taxas, alíquotas e sei lá mais que nomes! Para que se divulgue nos jornais televisivos com o fim de que todos vejam e que ninguém entenda bulhufas, e dessa forma, acreditarmos que errados somos nós, que somos sufcientemente ignorantes para não entender "O Mercado"(parece filme de terror...). Parece que é uma entidade que tem vontades próprias - assim como "A Sociedade", "A Humanidade"... -, "Hoje, O Mercado está nervoso!"... Mercado não tem nervos, quem fica nervoso é gente!
Será que ninguém vê que é um absurdo essa "sociedade informacional" a qual estamos vivenciando??? A vida não vale nada, o real não vale nada, só vale o que é dito na TV, o que é escrito no jornal, o que é número estatístico. A máquina é perfeita, o homem não. O ser humano perdeu valor pro Iphone. E a tendência é o mais evoluído técnico-cientificamente dominar o "inferior", o feitiço virará de encontro...
Saímos de uma "sociedade industrial" na qual o dinheiro significava moeda e a economia era real - os produtos eram vendidos com o valor da matéria-prima, mão-de-obra e ágios, só se vendia o que se tinha, e precisava ter para se vender -, e entramos numa "sociedade informacional" na qual o mercado é especulativo, o dinheiro é virtual e os juros, flutuantes! Vivemos uma crise inventada e que ninguém faz o favor de desinventar! Viramos reféns de nossa criação. (Todos estão perdendo dinheiro e isso não faz o menor sentido! O dinheiro está lá, se alguém está perdendo alguém tem que estar ganhando!) Vejam o sistema absurdo que criamos, inventamos uma economia e estamos perdendo dinheiro para ela! Toda a humanidade está perdendo o dinheiro que ela mesma criou!!! (Assim como o homem perdeu para a máquina de jogar xadrez.) E para onde vai todo o dinheiro perdido? Desmancha no ar, bilhões de dólares. Portanto, nunca tivemos diheiro, é tudo emprestado da "Economia" - a brother.
Nessa sociedade, tudo acontece por que alguém disse que aconteceria... A pessoa não previu, ela fez com que acontecesse. O Faustão apresenta alguém que ninguém nunca viu e diz que é o maior sucesso nas rádios. Não, ele não é. Mas no dia seguinte será! Alguém importante na Bolsa de Valores fala: "eu acho que a Petrobrás vai falir", os preços das ações caem, todo mundo corre pra vendê-las, ninguém quer comprá-las, e a Petrobrás quebra. Por mais que ela estivesse ótima! Eles mentiram? Não. Apenas criaram verdades. Mas porque alguém acha que tem o direito de fazer isso com toda uma sociedade? Ninguém pode ganhar dinheiro só especulando. Dinheiro vem de trabalho!
Temos que acabar com esse sistema antes que ele acabe conosco: com tudo o que criamos e com nossa humanidade - no sentido da desumanização do homem. Não sei como fizeram tal conta, mas eu soube que seria necessário apenas 1/3 (!) de todo o dinheiro desprendido com o salvamento dos "pobres businessmen" para acabar com a fome em todo o mundo. Ouviram? TODO O MUNDO. A fome em todos os países "do terceiro mundo", resolveria-se em uma sentada entre líderes dos países "do primeiro mundo". Mas eles preferiram salvar a Bolsa. E ainda têm a cara-de-pau de pedir nossa ajuda... Ninguém quer mudar a situação vigente, a miséria é o que sustenta tudo isso. Essa máquina movida a destruição, a degradação humana, a sangue de negro pobre. E a gente ainda abre as pernas para esse desENVOLVIMENTO.
Estamos caindo fora. E o último que sair que apague as luzes.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

debaixo d'árvore em cima d'pedra.

Lá estava ela.
Sentada num banco sob uma àrvore de algum século distante. Os pés frios sobre sandálias sobre pedras sobre o chão. Um chão de pedras - paralelepípedos de algum século distante.
Ela mal podia sentir os desníveis dos paralelepípedos, de toda aquela altura em que ela estava, toda aquela massa de couro, cola, linha, látex... Formava bem uns 2 centímetros de distância entre o pé e a pedra.
Ela afastou as mãos do corpo, os dedos para frente procurando os limites do banco - banco de cimento daqueles pré-moldados, com certeza desse século -, quando os dedos já estavam flutuando, rapidamente ela os fechou, segurando-se na superfície abaulada da quina. A respiração ofegante.
Inspirou e começou a virar os pés para fora, os calcanhares a milímetros das pedras. Pôde sentir o calor que delas irradiava, um calor de um dia inteiro, de séculos...
Num repente, passou as pontas dos pés arranhando os tendões e viu-se livre do peso das sandálias. E finalmente afundou os pés nas pedras, abrindo todos os dedos, esparramando o peito de cada pé.
Queria o calor daquelas pedras, da terra abaixo delas. Começou a atritar os pés violentamente sobre os paralelepípedos, pra frente pra trás, fundo, pra frente pra trás, pra dentro... Sua aspereza contra a deles. Os dedos batendo nos vãos entre uns e outros, tirando a epiderme dos mindinhos, lascando as unhas...
Caiu de joelhos, despencou de bruços, os seios sobre as pedras, o sexo sobre as pedras. Esfregou os punhos, o antibraço, as maçãs do rosto esfolando sobre as entranhas das pedras. Deixando pele nas irregularidades.
Bateu a testa suada no paralelepípedo e foi amassando, sombrancelha, pálpebras, lábios... Abriu a boca e lambeu o sangue e o suor das pedras. Eram seus. Então pôs-se a chorar.
E lá ela ficou.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

ilusão de óptica.

Vejo a ti
e perco a paz que nunca tive
mas finjo a mim que tive e finjo a ti não perdê-la.
o coração quase que sai pela boca, engasga.
e a ânsia do vômito que nunca sai, está sempre ali na iminência.
e o gosto amargo que perdura.
e a surdez das batidas já me deixa surda.
mas eu não me controlo, eu me controlo.
ou finjo o controle do meu descontrole.
Vejo a ti, mas concentro-me em mim,
no desespero da contenção de mim mesma.
quer queira, quer não.
viro egoísta por sua causa - e de tudo te culpo.
e essa consciência é o que me mata. sim, a consciência mata.
às vezes eu queria ser inconsciente, inconsequente
mas eu não sou. sou apenas inconstante.
e o que eu queria mesmo era você.
você não sabe, eu sou uma farsa.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

um trago.

tic-tac. Sobre a mesa, cadernos, um brinco vermelho, uma embalagem vermelha, um cinzeiro vermelho, um relógio vermelho. tic-tac. módulos com capas vermelhas, mas brancos por dentro... tic-tac. uma prova rosa, e... A palavra: UFBA tic-tac escrito em negro na capa de umas cópias encadernadas, brancas como a fumaça que sai do que trago. tic-tac. Apenas olho (no momento penso demais para fazer qualquer coisa) tic-tac, sou astigmata, o branco me dói os olhos, prefiro o vermelho. tic-tac. Já dei corda no relógio, o pino foi ao máximo. mais corda, só amanhã. E precisará mais, o tic-tac é mais rápido que um trago.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

um trecho brilhante.

"... O rosa das rosas era de sangue e o sangue escorria pelas mãos brancas dos enfermeiros pálidos. E os enfermeiros limpavam o sangue das mãos nos brancos aventais, que já não ficavam tão brancos. Centenas de enfermeiros caiavam os muros (antes cobertos de propaganda política), tudo pintavam de branco, de cal, muros, paredes. Fachadas, portas de madeira e portas de metal e até mesmo pessoas. Tudo ficava branco. (...) ...os anestesistas atiravam bombas aqui e ali, dentro de uma casa comercial e também das particulares, até mesmo dentro das creches, para que todos dormissem e para que ninguém visse que o sangue das rosas manchava de rosa - um rosa puro de flor -, manchava todas as coisas brancas, todas as pessoas pálidas e, com mais fúria, mais rosas os enfermeiros pálidos estrangulavam raivosos, e a raiva rosava seus rostos, e o sangue escorria de suas mãos, dos caules, das flores - e as flores amarelas, de vergonha, viravam rosas e eram também estranguladas e também era rosa o seu sangue - e o sangue e as rosas enchiam as ruas que eram brancas, corriam para a praça, como correm os rios para o mar, rios de rosas, rios de sangue."

A deliciosa e sangrenta aventura latina de JANE SPITFIRE - AUGUSTO BOAL... pág.217.
- sobre um sonho da nossa (anti)heroína no qual uma junta médica (e não militar!) realiza um golpe de estado. Genial.

domingo, 17 de agosto de 2008

Cacilda.

Eu ouvi o que você disse, eu juro, e discordei. Você ouviu o que eu disse, você jura, e discordou.
Poderia tudo ser verdade? Apenas opiniões severamente distintas? Ou não tão severas assim...
Definitivamente havia um ruído na comunicação, algo fluido que preechia o vazio entre nós, e distorcia tudo o que falávamos. Refratando, refletindo... Assim como eu refletia e não conseguia conceber tais sonoridades. Seriam essas as suas palavras? Prefiro acreditar que você também refletia - às vezes eu tinha dúvidas. Ou talvez o fluido estivesse meramente em nós, talvez só em mim, talvez em todos nós - incluindo todos os demais que tentavam traduzir -, distorcendo o nosso entendimento correto das coisas.
Palavra é muito pouco para traduzir o que se passa em nossa mente, dificilmente conseguimos dizer exatamente o que pretendíamos. "o que o autor quis dizer quando disse...?" Lá eu vou saber! O mundo das idéias de cada um é completamente obscuro. Para todos, você é o que a sua linguagem diz. E naquele momento, sua linguagem me soava muito mal. Sua língua passava áspera no meu peito sempre que você dizia que era eu quem o fazia. Eu sentia uma dor em dose homeopática dupla - a minha dor e a sua -, aos poucos arranhando meu peito e meus olhos, respectivamente. Você sentia a minha dor?
Toda a sala era ruído, a angústia tornava-se desesperadora e não sabíamos fazer parar. Eu até suportaria, se houvesse apoio. Mas eu estava só, e chorei, chorei incontrolavemente. As lágrimas ardiam nos olhos arranhados e eu olhava-te fixamente, distorcido pela água, desfigurado em minha mente.
Ninguém mais suportaria. Os ruídos alheios graduavam-se cada vez mais altos, na aflição do fim de tudo aquilo. E acabou uníssono, quase um grito, grito não, um berro! E silêncio... Depois da tempestade vem a bonança, e os leões se satisfizeram.
Mas você, não. Você sentia dor, não sei se a sua ou a minha.

Já se perguntou de quantas maneiras você pode soar?

sábado, 2 de agosto de 2008

uma porção de tempo.

Um tombo.
meu balão voou.
no meio do circo.
eu estou estática.
a roda ainda gira.
o balão sobe.
os transeuntes passam.
o tempo acaba sem parar.

terça-feira, 22 de julho de 2008

prenegativo.

Silêncio.
Após horas alguém levantou e falou:
- Não dá mais! Vamos!
Os demais olharam-se em busca de - quem sabe - uma resposta divina que lhes desse coragem para seguir em frente.
- Não podemos ficar parados!
- Não podemos perder tempo.
- Não. O tempo é escasso.
- mas...Não sabemos aonde ir!
- Não, o jeito é seguir a trilha.
Silêncio. Caminharam horas, até alguém falar:
- Quem sabe se virássemos...
- Não quero.
- E se fôssemos...
- Não!
- Se... Ah, não. Esquece... O que vocês querem?
Silêncio.

O jeito era seguir a trilha mesmo. Quem fez deveria saber aonde estava indo, ou ao menos onde queria estar.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

suicídio duplamente qualificado.

Elas olharam-se, viram-se uma na outra, gostaram do que viram, e decidiram que seriam amigas.
Ela nutria uma paixão eufórica por ela, tão eufórica quanto ela mesma. Saíam juntas, estudavam juntas, dormiam juntas... Tinham os mesmos gostos, o mesmo estilo, o mesmo pensamento nas mesmas horas. Passaram a confundir-se em suas vidas como se não soubessem onde começa e termina a outra. Achavam isso bom, era uma prova de tamanha amizade.
Até que ela começou a sentir a presença de um corpo estranho, mas que quando olhava, via a si própria. Isso atormentava sua mente e ela passou a sentir um ódio profundo daquela que ela via todos os dias presente na sua vida, dona da sua vida. Era invasivo o seu corpo. Tudo o que a mesma fazia, parecia uma cópia defeituosa sua, que ninguém era capaz de perceber as nítidas diferenças.
Tudo irritava naquela relação viciosa da qual ela não conseguia escapar. E se os efeitos das qualidades comuns a ambas, foram tão explosivos, os efeitos dos defeitos seriam catastróficos. Qualquer coisinha que antes não passava de uma pequena mania, um aspecto qualquer que poderiam apontar como uma "rasura" no seu "eu definitivo", se transformava num imenso borrão à tinta, cada vez mais intenso. E ela já não sabia quem era, se o definitivo perfeito, ou se o imenso borrão. E isso tirava-lhes o sono, o sonho, o som. Restou o ruído, o pesadelo e a olheira. E a preocupação da outra diante da situação, aumentava ainda mais sua irritação. Ela virou um monstro, cuja a presa era ela mesma.
O desespero só aumentava, e numa noite de insônia em que dormiriam juntas, ela cometeu a asneira de cair no sono.
Era a única saída, ela tinha de quebrar o espelho.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

o jogo.

No quarto, só nós dois. "Cartas à mesa!", disse ela.
Mal sabia ela, mas, honestamente eu só tinha Espadas e Ouros.
Percebi o susto que ela tomou diante de tal cartada, seu diafragma parou - por um segundo, eu fui o único cosumidor (da falta) de ar daquele quarto. Ela disfarçou, mas os pulmões sentiram, e ela bruscamente devorou minha respiração por completo, deixando-me sem ar.
Ela jogou suas cartas, Paus e Copas, enquanto soltava o "ar reciclado". Olhamo-nos e trocamos ares. Eu expirei, aliviado, e ela inspirou, profundo. E não soltou o ar.
Meu Deus! O que foi que eu fiz?
Espalhei minhas cartas pelo chão, guardei as Espadas no bolso e servi-me de Ouros. Joguei com as cartas dela, sem jamais trocá-las com as minhas, armei todas as jogadas possíveis, mas sempre com elas, que possuíam um vermelho-ouro que nunca chegaria aos pés do seu vermelho-copas. Talvez sejam baralhos diferentes. E ela simplesmente observava, distante.
O que é que eu faço agora? Meu Deus, ela pensava em Copas durante todo esse tempo e por mais que parecesse Ouro, era Paus que ela jogava... Tudo o que eu queria era esquecer que vimos nosso jogos.
Desisti. E decidi apenas sentar e esperar a sentença. Minha cabeça quase explodindo. Vez ou outra ela deixava escapar uma expressão sofrida, mas se ela realmente tem convicção no jogo dela, terá de suportar o meu. Eu já estava tonto quando ela aparentemente tomou uma decisão. Esforcei-me para me aproximar, mas ela não conseguiu pronunciar qualquer palavra e virou-se. Não pode ser tão difícil... Meu corpo já formigando, sem forças.
Aguentamos uma eternidade, ambos sem ar. Senti que morreria ali mesmo, arrastei-me até a porta e quando consegui alcançar a maçaneta, ela caiu nos meus braços e me beijou. Um beijo aflito, mas salvador. Meu corpo enrijeceu-se novamente e ela mostrou-me uma carta, escondida por ela, uma Dama de Ouro. No seu jogo havia uma Dama de Ouro. Todo o seu sofrimento não é por mim, é pela Dama de Ouro!?
Mal sabia eu, não estávamos sós naquele quarto.
E o Rei de Espada escorregou do meu bolso e caiu sobre seu Rei de Copas.

terça-feira, 1 de julho de 2008

juventude - uma dissertação.

Em toda geração há sempre um questionamento: "Como será a próxima? Será que conseguirão superar tudo o que não pudemos? Ou será que nunca existirá uma geração como a nossa?" Elis Regina já dizia: "Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais". Mas será? Em plenos anos 2000, perguntamo-nos: quem somos nós?
O jovem "pós-revoluções" assistiu a todos os fracassos sociais, a todas as desilusões ideológicas de antigos jovens - que pensavam no coletivo - e nada mais o toca. Porque é muito fácil ter uma ideologia quando é só seguir os outros, quando somos obrigados a lutar por uma liberdade de alguma forma privada. Mas e quando se tem "toda" a liberdade, toda a informação, e quando se tem tantas opções?
Vivemos numa globalização desenfreada, em que não há tempo. Tudo foi para ontem e o presente é quase inexistente. Só temos tempo de olhar para o umbigo e sobreviver no "capitalismo selvagem" no qual estamos inseridos, e o tempo que resta é utilizado para esquecer que é só isso o que fazemos. Gozando o máximo possível para sentir que de alguma forma a vida é boa, ou então, nada vale a pena.
Estamos perdidos, atônitos, neutros. Nada nos motiva e deixamo-nos levar pela correnteza. Corremos e não sabemos para onde. Jogamo-nos no escuro, no exagero, com overdose de tanta informação inútil, de tanta droga, de tanta guerra. Somos um corpo inerte, nem toda dor nos dói, nem todo amor nos toca. Somos seres adaptáveis.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

falso diálogo.

Eles sempre têm motivos pra me perguntar:
"vc tá bem?"
E eu sempre respondo:
"claro!"
sem motivos.
E às vezes é até verdade.

domingo, 15 de junho de 2008

em estado líquido.

Dias em baixo do chuveiro. A água que escorria confundia-se com as lágrimas e aguavam o sangue. Todos corriam por meu corpo, a água, as lágrimas, o sangue. Meu sangue. Vermelho ao extremo, mais forte que eu. Sangrei. E eu queria sangrar mais, por não ter impedido que o sangue fosse derramado. Não era um pensamento heróico, o sangue foi meu. Meu sangue! Ninguém tinha o direito de tirá-lo de mim.
A cabeça pesava e eu não consegui aguentar seu peso. Escorro eu, a água, as lágrimas, e o sangue, direto para o chão. Gelado. A água que batia nos meus joelhos, respingava no meu peito gelados pingos minúsculos, que mais pareciam estocadas de agulhas. Agora sim a dor é suficiente para que o ralo absorva, a mim, a água, as lágrimas, e o sangue - mistura fétida que eu terei de aguentar.
Desligo o chuveiro. Enxugo-me e agora estou toda eu vermelha e seca, coberta por meu sangue seco e vermelho, e por meus olhos vermelhos de tão secos. Eu que era tão forte, ao meu ver, me vi fraca, atônita. Minha própria vida, sem o meu controle. Preciso fortalecer-me para suportar o peso das minhas verdades, e das mentiras que contarei para escondê-las.
Um punhal em minhas mãos, o meu peito apunhalado. Dói. E dói ainda mais, a consciência de que fui eu quem me apunhalou por trás.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

"Tempos Modernos".

Noite passada a minha cabeça parecia aquela máquina do filme do Chaplin à velocidade máxima, não parava de forma alguma, e até espantava pela inutilidade de certos produtos que dela saía. Oh sim, com certeza era o filme do Chaplin, logo logo eu seria engolida por ela - desenfreada, a produzir possíveis parafusos para os possíveis buracos incompletos.
Tudo bem, é bom colocar a maquinaria cefálica pra funcionar. Ficaria até feliz se fosse num momento oportuno. Não à meia-noite! Nunca às duas da manhã! E ela não parava. Estava realmente me irritando - e pior! - agora, não só o intenso trabalho cerebral me roubava o sono, como também a irritação diante da situação descontrolada.
O cerco está montado, pensei, estou pronta para ser devorada. Respirei fundo, cansada da extensa luta interna, e olhei para o céu - mais que isso - ele olhou pra mim. Uma única estrela - no céu tomado pela fumaça do meu trabalho - piscava para mim, sem dúvida era para mim! E a máquina parou, finalmente parou e eu nem percebi - agora eu era criança.
Veio-me aquele desejo infantil de fazer um pedido àquela estrela que com certeza era só minha. Um pedido. Simples. Fácil... Calma! Só pode ser um? E a estrela foi coberta pela fumaça do novo trabalho da máquina desenfreada. Voltei aos dezessete.

domingo, 8 de junho de 2008

Ela fez uma festa.

Ela fez uma festa.
Contou todos os trocados e comprou limão e vodca. Arrumou a casa e esperou seus amigos. Cada detalhe em seu devido lugar e cada cômodo em uma sequência incômoda exibido à medida em que os ilustres críticos chegavam. Fazia-se a luz no espetáculo noturno, o som rasgava o ansioso silêncio público e ela equilibrava-se diante de toda a platéia.
Ela fez uma festa.
A vodca transbordando no copo e o suor transbordando no corpo, aquele som magnetizante invadia suas entranhas e o corpo transbordava libido, um trago de tóxicos e sua cabeça enlouquecia. No quarto, chegara a uma reunião de desejos incrustrados nas falas alheias e confidências incomuns em comuns. A vodca invadia o seu inconsciente tornando-o cada vez mais irriquieto, náuseas de desejos vomitavam verdades a toda hora e o absurdo, tornava-se perfeitamente certo.
Ela fez uma festa.
O sexo aparecia nas atitudes dos sexos, e sua vontade era que não houvesse sexos. Cada toque tornava-se mais sensível, cada olhar mais perceptível e a racionalidade menos atingível. A testosterona de terceiros ambicionava um espetáculo sensitivo do outro sexo, somente dele. E o corpo já não obedecia às desculpas esfarrapadas que a muito custo sua mente desenvolvia. A aparente hesitação transformou-se numa incrível explosão tecnicolor no momento em que seus lábios pressentiram o que estava por vir. Explosão de uma vida inteira.
Ela fez uma festa.
Já não se importava os sexos. Diz-se que se deve amar os semelhantes. Ela amou. Com todo o seu direito. Enquanto todos dormiam.
Ela fez uma festa.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

a dona da noite.

O menino conheceu a mulher. A mulher nem viu o menino. O menino admirou-se com o que viu. A mulher não lembrou seu nome. A mulher ocupava as noites do menino. As noites da mulher eram ocupadas demais.
O menino saiu na noite da mulher. A mulher viu o menino na noite que era dela. O menino envergonhou-se da mulher. A mulher achou graça do menino. O menino fez graça. A mulher acharia graça, pensou o menino. Mas a mulher estava muito ocupada...
O menino jogou-se na noite da mulher. A mulher socorreu o menino. O menino gemeu com os afagos da mulher. A mulher gozou com o menino. O menino disse palavras doces à mulher. A mulher deu o seu melhor ao menino.
O menino sonhou com a mulher. A mulher partiu com sua noite.
O menino acordou sozinho. A mulher dormiu com outro menino. Não um menino, um homem.
O menino perguntou-se "por quê?". A mulher respondeu-se "mulheres apaixonam-se por homens".
O menino ainda espera a resposta. E a mulher, a pergunta.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

ao mar aberto.

Ela nada, nada e nada.
Está muito fundo.
Ela não consegue alcançar a superfície.
Olha ao redor e nada.
Está muito fundo.
Não o suficiente para alcançar a superfície.
Precisa haver terra.
Sim, terra. A base para o impulso.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

a descoberta.

Não enxergava, e despiu-se na frente de todos.
Não esperava encontrá-los tão intensos.
Reprimida, tentou esconder-se. A antiga mortalha já não lhes servia.
Amedrontada, atirou pedras pela boca. Sentiu o refluxo. As pedras desceram violentamente pelas paredes de sua garganta, rasgando toda e qualquer tentativa de ser ouvida. Caindo pesado sobre sua voz já rouca.
Ainda que houvesse voz, não haveria público. Estavam todos alienadamente fissurados no seu corpo. Eram todos surdos, todos mudos. Apenas enxergavam. E apenas uma coisa.
Lutou o máximo que pôde, mas acabou estuprada - como todos os outros - e ouvindo a rouca voz ecoando no corpo nu.

domingo, 11 de maio de 2008

1º passo.

O amor é tão grande que irrita. A agressividade salta sem que eu perceba, cotidianamente. Mas o mundo não sou eu. Alguém a viu. Alguém que não tem culpa da minha irritação. E sentiu. E doeu. Muito. Não imagino o quanto. Não sou esse alguém.
Quanto mais amo, mais me irrito. Sinto o controle se esvaindo por meus dedos. E isso irrita. Muito. E a inconstante agressividade saltitante...

Triste para quem tanto ama não saber amar. Perdoem-me. Estou trabalhando nisso.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ele.

Ele me maltrata, machuca mesmo. Quer que eu me livre de mim mesma e seja só dele, seja só ele. E eu não consigo ser só eu, sou eu e ele. Por que ele sou eu que não me vejo. E quando vejo não entendo o que vejo. E quando o quero não se mostra. E às vezes eu quero, e como quero! Por que ele também sou eu. Eu indiferente, inatingível, pura, livre de qualquer racionalidade estúpida.
Ele é essência, minha essência. Egoísta. Só a vontade dele importa. E ele permanece dentro de mim, não o vejo, mas sei que está lá. Um movimento qualquer e eu o sinto. Ainda lá, pronto para me levar à loucura quando bem entender. E me maltrata, machuca mesmo, faz cada absurdo... Como pode? Não o quero assim, não desta vez. E quando discordo, machuca. Machuca mesmo. E sempre discordo. Se não discordo hoje, é por que ontem já cedi. E quando eu cedo ele penetra, me faz gozar e continua lá. Não me dá descanso.
Preciso saber mantê-lo quieto. "Pronto. Sem movimentos bruscos"...
Ele nunca viu um mundo além do meu, e nem com o meu mundo ele se importa. Ignora-me. Simplesmente é, sempre foi e continuará sendo. Sem parar, sem explicações. Egoísta, dentro de mim.
Agora o quero. Faço movimentos bruscos e ele irrompe meu arredoma que é tão cheio de mim - puro ao meu ver - com sua pureza tão feia e mais pura que eu. Agora o vejo. E sinto um prazer que jamais poderia ter sentido se não fosse pela impureza da mistura, entre meu eu que não pertence a mim e eu acostumada a mim mesma. E eu quero mais. Mas ele machuca, e agora me faz machucar. Não o quero assim. Mas ele não pára, não enxerga. Egoísta. Mantém-se livre de qualquer complexidade do mundo, por minha causa. E permanece aqui dentro, inevitavelmente protegido por minhas pernas.

terça-feira, 6 de maio de 2008

naufrágio.

Triste, após onze horas-aula, olhar o celular e ver as horas.
Lembrei-me das palavras ontem proferidas por meu irmão: "a água tá entrando".

domingo, 4 de maio de 2008

o gosto do vinho.

Estava cansada de tanto esperar.
Como se não bastassem as olheiras, os olhos ainda tinham tinta da noite anterior. Preta. Contrastando com a claridade do meio-dia.
Sentia-me estranha. Desconcertada diante de todas aquelas pessoas amanhecidas. Limpas.
Queria um banho. Tinha suado bastante. Foi bom. Bom mesmo, me senti muito bem. Mas ele disse "tudo o que eu sinto quando te beijo é gosto de vinho".
Ah! Que alívio. Chegou.
Entrei no ônibus e dormi. A caminho de casa.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Sonhando em ser um balde.

Pensava. "Por que fazer um blog se não tenho colaboração alguma a dar ao mundo?"
Ora mas que prepotência minha...
Somos seis bilhões de seres humanos, um bilhão só de chineses. Sessenta milhões de brasileiros tentam equilibrar-se na finíssima linha da pobreza e são eles um terço de todos os brasileiros existentes! Quem nesse mundo-de-meu-Deus ouvirá o que digo? Nem se eu fosse o Mao Tsé Tung (que falava chinês), ou até mesmo a Marilyn Monroe (que falava a língua mais falada do planeta), eu seria um baldinho de areia sequer nesse marzão de gente. (Se nem com o que a Marilyn dizia a gente se importa, quanto mais!)
Decidido, nada de altruísmo então. Fiz um blog por que eu quis. That´s all.